Pelas voltas que a vida dá, lá pelas tantas é a vez de um infortúnio nos escolher. E, como não poderia deixar de ser, não estamos preparados. Alguma coisa muda, subitamente, sem termos controle, sem desejarmos, e ficamos inertes, contendo a revolta, a ansiedade, querendo voltar no tempo, imaginando desfechos possíveis.
Sexta-feira, dia 08.04, furtaram um carro em uma rua pouco conhecida de Novo Hamburgo. Era a minha vez. Poderia ser qualquer carro, mas era o meu. Um Santana branco, 1997, completo, placas IGG 5247, bem cuidado, do qual ainda pago uma recém reforma que custou cerca de 20% do valor do carro.
Sem dúvida não é um bem de muito valor. Mas nele estavam mais de dois anos de trabalho meu. E ainda pagarei mais dois meses por ele. Não tinha seguro porque meus rendimentos não comportam.
Fiz tentativas sem sucesso de descobrir o paradeiro. As cidades são grandes, há muitas opções de esconder um carro. Mais ainda lugares para entregar partes dele para revendê-las, sem fiscalização alguma. Qualquer um pode ir a um ferro-velho comprar peças de veículos roubados, sem saber, que são muito baratas. É uma prática comum e forma direta de fazer o ciclo furta/rouba-desmancha-revende existir.
As autoridades responsáveis não dão conta da quantidade desses pontos. Surgem mais rapidamente de que são desativados, movidos pelo resultado financeiro positivo que geram.
Todos os que um dia compraram peças, inclusive eu, compram e comprarão em um ferro-velho são responsáveis pelo furto do meu carro, pela perda de 5,3 mil horas de trabalho meu. Damos ao bandido uma opção de lucro rápido, onde a pena é branda quando flagrado, garantindo a existência desses em um número cada vez maior. Além disso, fazemos juz a existência de seguradoras para podermos garantir aos nossos filhos a sessão de cinema que prometemos ir numa noite durante a semana, com traquilidade e conforto.
No dia do furto e nos que sucederam, muitos colegas, parentes e amigos vieram a mim com palavras de apoio. Dentre todos, sei de um que perdeu, da mesma forma, aproximadamente o mesmo valor, o mesmo tempo de trabalho. E não veio a mim. Fui até. Apenas ele sabe do que estou falando. Aos demais, peço desculpas com minha franqueza, mas não se metam.
Vou continuar a procurar meu carro, o valor dele. Agora tenho mais uma prova de que a condição humana é de uma deficiência insustentável.